“Dia do lixo” pode desencadear transtorno alimentar, diz nutricionista

Juliana Vines

Tirar um dia de folga da dieta e aproveitar para enfiar o pé na jaca pode funcionar como um gatilho para episódios de compulsão alimentar, segundo a nutricionista Adriana Kachani, pesquisadora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).

A prática do “dia do lixo” é divulgada por blogs e sites de fisiculturismo com a justificativa de que ajudaria a emagrecer porque daria um “choque no metabolismo”. E não é só marombeiro que adere à escapada da dieta, não. No Instagram as hashtags #diadolixo, #hojepode e #jacando (de enfiar o pé na jaca) reúnem, somadas, quase 200 mil fotos.

Em entrevista ao blog, Adriana, que em seu doutorado pesquisou a relação de amor e ódio que desenvolvemos com a balança, relaciona tanto o “dia do lixo” como as dietas restritivas que recomendam uma refeição de gala (como a dieta Dukan) com o desenvolvimento de transtornos alimentares.

Aliás, hoje é o Dia Internacional sem Dieta. A data foi criada em 1992 pela ativista inglesa Mary Evans Young, que teve anorexia e decidiu agir contra as dietas radicais e a obsessão pelo corpo perfeito. Em comemoração ao dia, a Folha promove hoje um debate sobre a eficácia das dietas.

A seguir, leia trechos da entrevista.

 

Se no dia do lixo você comer um combo grande de fast food pode ingerir até 1.500 calorias (crédito: freeimages.com)
Se no “dia do lixo” você comer um combo com hambúrguer, batata e refrigerante pode ingerir até 1.500 calorias (crédito: freeimages.com)

A Chata das Dietas – Fazer dieta pode levar a um transtorno alimentar?

Adriana Kachani – Sim, muitas vezes é a partir de um regime importante que aparece um transtorno. Às vezes a pessoa tem uma tendência, mas o transtorno só “acorda” com a dieta. Isso pode acontecer de duas formas, a primeira é quando a pessoa faz uma dieta, perde muito peso rapidamente e, apesar de ter perdido peso, ela continua se achando gorda. Isso é comum. Ela começa a ter uma distorção da imagem corporal, que é um dos sintomas de transtorno alimentar.

O segundo gatilho seriam as escapadas de uma dieta super rígida. A pessoa se propõe a fazer um regime muito restritivo e não consegue. Então acaba escapando e comendo demais. Por não conseguir cumprir a dieta ela fica frustrada, se culpa e acaba tentando eliminar a comida de alguma forma.

Tem dietas mais perigosas do que outras?

Quanto mais restritiva, pior. Já vi vários casos de anorexia em que a pessoa começou tirando carboidratos simples, como pão e macarrão, depois descobriu que leite também tinha carboidrato e tirou o leite, depois soube que leguminosas como feijão também têm e assim foi deixando a dieta cada vez mais restrita.

E há muitas pessoas que não desenvolvem transtorno alimentar, mas que passam a viver em função da dieta, do que vão almoçar e do que vão jantar. É aquelas que dizem: “Não posso sair porque meus amigos vão comer pizza”. Isso é uma forma subclínica de transtorno alimentar, porque atrapalha a vida da pessoa.

Você comentou que as escapadas podem levar a episódios de compulsão. Mas fazer o “dia do lixo” e tirar uma folga da dieta é super comum, dizem inclusive que ajuda a emagrecer…

Não, não ajuda a emagrecer, pelo contrário. Você pode comer demais, se sentir culpado, e, de novo, isso ser um gatilho para desenvolver um transtorno. Dieta é comer de tudo, sem exagero. Coma duas fatias de pizza, coma um chocolate, não uma barra inteira. Quando você faz um “dia do lixo” acaba se permitindo comer muito mais do que comeria fora da dieta e, depois, termina comendo menos do que o regime, para compensar. Eu nunca deixo meus pacientes tirarem folga da dieta. O ideal é que a pessoa esteja satisfeita e não seja necessário fazer “dia do lixo”.

Como ficar satisfeito estando de dieta? A pessoa não deve contar calorias para perder peso?

Não recomendo contar calorias. A pessoa deve readequar sua alimentação. Claro que ela não vai ter tudo o que quiser, todas as comidas do mundo, e precisa entender isso. Mas vai poder comer de tudo um pouco.

Ela precisa organizar a vida, os horários, planejar as refeições e readequar as quantidades, aprender que uma porção de carne é suficiente, não precisa duas ou três. À medida que a pessoa se acostuma com essa readequação, vai perdendo peso devagar. Quanto mais tempo levamos para perder peso, mais difícil fica recuperar o peso perdido.