Comer de três em três horas é mito e contraria o ritmo do organismo, defende médica
“Mostre-me um artigo científico sério provando que comer de três em três horas é bom para o organismo. Não tem nenhum”, afirma a médica Daniela Kanno, especialista em alimentação funcional e medicina da família.
Ela coordena o spa Rituaali, em Penedo (a 178 km do Rio de Janeiro), que se define como um centro para a mudança do estilo de vida. Um dos princípios do lugar é a alimentação de seis em seis horas –café, almoço e jantar, sem refresco nos intervalos.
“A máxima de comer a cada três horas se perpetuou como uma regra, mas ninguém sabe de onde veio e hoje está sendo questionada. Em dois anos isso vai cair”, diz.
De acordo com ela, que atualmente cursa especialização na Abran (Associação Brasileira de Nutrologia), a orientação contraria o ritmo do organismo.
“Não é fisiológico. Dependendo da comida, demora mais de três horas para ser digerida. Quando nos alimentamos de novo antes de terminar a digestão anterior, o processo para e o alimento pode fermentar. Além disso, as glândulas salivares demoram quatro, cinco horas para encher depois de uma refeição”, explica.
Segundo Kanno, pesquisas já mostram que diabéticos que comem menos refeições têm níveis de mais baixos de glicose, e há uma associação entre IMC (índice de massa corporal) mais baixo e pessoas que comem menos vezes ao dia.
“É claro que há exceções, como quem fez cirurgia bariátrica e precisa se alimentar de pouco em pouco, mas a maioria das pessoas fica bem com três refeições ao dia, sendo o café da manhã a maior delas”, afirma.
Ela rebate os dois argumentos principais usados para defender a regra. Primeiro, o de que comer de três em três horas “acelera” o metabolismo.
“O que faz diferença no metabolismo é o exercício. Subir escadas, varrer a casa. O movimento do estômago para fazer a digestão não significa praticamente nada. O problema é que a gente passa o dia sentado e não faz mais nenhum esforço.”
Outro argumento comum é que os lanchinhos ajudariam a segurar a fome até a refeição principal. Para Kanno, o problema é que as pessoas estão comendo mal no café, no almoço e no jantar.
“Nas dietas de três em três horas o dia começa com pão e requeijão light e café com adoçante. Você vai conseguir ficar bem até o almoço só com isso? Claro que não.”
Um café da manhã no spa coordenado pela médica inclui um prato de frutas, pão ou tapioca, pastas ou geleias e castanhas.
OUTRAS OPINIÕES
Para Paulo Olzon Monteiro da Silva, clínico da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a orientação de fazer lanches surgiu como uma solução para tratar pacientes com obesidade, mas, com o tempo, não se mostrou eficaz.
“Estão surgindo estudos sobre os benefícios do jejum, mas sobre benefícios de comer nos intervalos das refeições não. Virou um chavão, mas não faz sentido”, afirma.
A endocrinologista Cintia Cercato, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, diz que pesquisas já estão começando a mostrar que quem come menos vezes acaba ingerindo menos calorias.
“Provavelmente isso acontece porque é mais fácil perder o controle das quantidades comendo mais vezes ao dia. Além disso, muita gente só acrescenta o lanche e não reduz as outras refeições. No fim do dia, ingere mais calorias. Parece óbvio, mas muitos não pensam nisso.”
Ela conta que já ouviu pacientes dizendo que não se alimentam bem porque não comem de três em três horas. “Isso foi tão repetido que as pessoas acham que é o certo. Tem gente que realmente tem o hábito de fazer lanches, mas quem não tem não precisa criar. O corpo não vai ficar sem energia.”
A nutricionista Renata Bressan, do Departamento de Nutrição da Abeso (associação de estudo da obesidade), defende que o importante é comer quando está fome.
“Devemos prestar atenção aos sinais de fome e saciedade. Não comer por comer (no automático) ou porque foi recomendado e não ficar sem comer e com muita fome. Isso sim é antifisiológico: comer sem estar com fome ou ter que ficar esperando a próxima refeição faminto”, afirma.